domingo, 2 de setembro de 2012

Roda de Leitura Chuva Negra, no Espaço 308




A Roda de Leitura do romance Chuva negra, do autor japonês Masuje Ibuse (1898-1993) aconteceu em 1o. de setembro.
Todos os participantes da Roda leram a edição antiga do romance, da editora Marco Zero, datada de 1988. Em 1989, o diretor Shohei Imamura dirigiu sua versão cinematográfica.

Pontos importantes levantados:
* Ainda que o autor tenha uma obra vasta (contei mais de 30 obras no website da Wikipedia) ele é mais conhecido justamente por Chuva negra.
* Para compor sua obra a respeito da explosão da bomba atômica em Hiroshima, o autor entrevistou vários sobreviventes e leu muitos de seus relatos.
* O próprio autor usa desse expediente para compor seu romance: ele começa de onde seria o meio da história (o casal Shigematsu e Shigeko encontra dificuldades para concretizar um casamento para sua sobrinha Yasuko por causa de boatos de que ela teria a "doença da radiação". Ao mesmo tempo, Shigematsu e alguns amigos, todos com essa doença são injuriados por uma viúva que praticamente os chama de vagabundos porque os vê pescando durante o dia. Ora, na cultura japonesa isso é altamente ofensivo, porque Shigematsu e seus amigos tem recomendação médica para manter-se em repouso. Então os amigos decidem criar os peixes, para futuramente pescá-los de forma mais sossegada. Eu tenho meu pai que é filho de japoneses e gosta muito de pescar, de modo que dei risada desse incidente. Então, é dessa forma inocente que o autor começa seu romance. Pois bem, para provar que Yasuko não é "material danificado" ele resolve entregar para a intermediária do pretendente (esse costume de intermediação foi testemunhado e vivido por minha própria mãe) o diário que a  jovem mantinha nos dias anteriores e no próprio 06 de agosto, quando a bomba explodiu na cidade de Hiroshima, provando que ela não estava na cidade no dia, então não poderia ter sido contaminada pela radiação. Para reforçar o testemunho da sobrinha, Shigematsu começa sua própria exposição dos fatos, também para doar seu relato à biblioteca da escola local. É com esse relato (e alguns outros) que o autor descreve o dia do holocausto japonês, do ponto de vista de pessoas comuns que viviam na cidade.
* Todos concordaram que os relatos, apesar de escritos sem pretensão sensacionalista, não tinham como não causar horror, pois o evento em si é horrível acima de qualquer descrição.
* Foi levantado que o autor, fazendo um romance a partir de relatos de populares, não levantou a questão geopolítica: nem por um momento questiona-se a culpa dos norte-americanos pela devastação. Outro participante perguntou-me como os japoneses que estavam já no Brasil receberam a notícia e argumentei que, pelo fato do Japão ter sido um país feudal até o século XIX e até o fim da 2a. Guerra o Imperador era tido como filho da Divindade, um autor japonês jamais faria denúncias dessa natureza. E, em relação à reação dos imigrantes japoneses à notícia, basta ler o livro e ver o filme Corações sujos para perceber como foi. Minha própria mãe, residente por muitos anos no Noroeste paulista, me contou que ouvira alguns boatos sobre a Shindo Renmei, mas isso foi tudo. 
* Outro comentário interessante foi a descrição que o autor fez dos saberes ancestrais, conectados à natureza, a respeito de plantas alimentícias e curativas e o contraste com o saber científico ocidental, que destruiu uma cidade, matou e feriu milhares e continuou amaldiçoando a vida de muitos sobreviventes.
* Outro ponto levantado foi a reação comunitária e coletiva dos parentes das vítimas, que arriscaram suas vidas para buscar e salvar seus parentes, ou para ter certeza de suas mortes. 
* Outra questão levantada foi como o Exército foi mostrado no livro, como brutal e espoliador da população civil. O autor poderia não culpar ou criticar o Imperador, mas criticou o Exército
* Até Gilberto Gil foi lembrado, quando questionamos a real necessidade do uso das bombas, uma vez que se percebe que o exército japonês já estava enfraquecido e a derrota era próxima. A reunião foi ótima e é daqui que me despeço.

*Abaixo transcrevo a letra que foi lembrada, que extraí do website http://letras.mus.br/gilberto-gil/46180/ - acesso em 02 de setembro:


A Paz

Gilberto Gil

A paz invadiu o meu coração
De repente, me encheu de paz
Como se o vento de um tufão
Arrancasse meus pés do chão
Onde eu já não me enterro mais
A paz fez um mar da revolução
Invadir meu destino; A paz
Como aquela grande explosão
Uma bomba sobre o Japão
Fez nascer o Japão da paz
Eu pensei em mim
Eu pensei em ti
Eu chorei por nós
Que contradição
Só a guerra faz
Nosso amor em paz
Eu vim
Vim parar na beira do cais
Onde a estrada chegou ao fim
Onde o fim da tarde é lilás
Onde o mar arrebenta em mim
O lamento de tantos "ais"



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