Era uma vez
um menino que não tinha mãe. Não é verdade que a mãe não existisse e pronto:
fazia duas semanas que ela estava no hospital. Depois voltaria. Mas Lucas não
sabia disso. Todos a seu redor sabiam e ninguém duvidava. Lucas, porém, sabia
só uma coisa: que sua mãe havia desaparecido. Antes a mamãe estava ali perto
dele, fazia a comidinha, ficava feliz a cada nova palavra que ele pronunciava,
e à noite colocava o pijaminha dele. Dessas coisas Lucas se lembrava muito bem.
Mas a mãe
havia desaparecido.
Lucas andava
de cá para lá nos quartos, tentava dizer em voz alta “Peixe!”, pronunciando
muito bem o “xe” final. Talvez a mamãe saísse de algum lugar para lhe dizer: “Muito
bem!”. A tia, porém, que estava mexendo nas panelas lá na cozinha, foi até a
porta sem saber direito o que estava acontecendo e dizia: O que é que tem o peixe agora? Onde foi que você viu um peixe?
Lucas, de
apenas dois anos, não respondia: era apenas uma palavra nova que conseguira
pronunciar assim, marcante e inflamada, e que talvez tivesse o poder de fazer a
sua mãe voltar.Ela – isso ele sabia – teria interrompido qualquer coisa que
estivesse fazendo, teria ido até ele para abraçá-lo e dizer-lhe: “Muito bem!”,
e não teria feito as perguntas da tia.
A palavra “peixe”,
porém, não lhe trouxe a mamãe.
Nem a palavra
“xerapoquê”, que, além de tudo, não significava absolutamente nada. Ou melhor,
fez o papai lhe dizer com uma leve repreensão:
-- O que você está fazendo? Você agora fala que
nem um nenenzinho?
Nesse
momento, fazendo um enorme esforço na maior concentração, reunindo todo o seu mundo,
Lucas fez o mais longo discurso de sua vida:
-- Cadê
mamãe?
O pai
entendeu imediatamente. O seu Lucas de dois anos estava sentindo falta da mãe.
-- Ela está
no hospital, você sabe – respondeu o pai afetuosamente, sem preocupação. –
Daqui a duas semanas, ela vai voltar para casa, no máximo três. Não posso
levá-lo onde ela está, porque as crianças não podem entrar e ela ainda não pode
andar. Tenha paciência, ela voltará, rapazinho.
Lucas não
entendeu nada, mas para não desagradar o pai, respondeu sério:
-- Hã, hã.
Contudo, não
conseguiu evitar um suspiro que fez o pai sorrir.
-- Eu também
sinto falta da mamãe! – acrescentou, como se estivesse falando com um “colega”.
Lucas enfiou
a cabeça entre as pernas, balançando; o pai teve certeza de que haviam se
entendido.
Conforme iam
passando os dias, os traços vivos da mamãe – incrível! –se desbotavam um pouco
da cabecinha de Lucas. Antes parecia
escutar a voz dela, algumas vezes sentia até seu calor quando se escondia na
caminha para que ela o encontrasse. Contudo, quanto mais os traços se
descoloriam, mais aumentava um buraco em seu coração.
Ele não sabia
bem porque, mas pouco a pouco estava perdendo o apetite. De comilão que era,
começou a ser exigente na comida: deixava quase tudo no prato, embora a tia se
esforçasse em preparar-lhe comidas de que gostava.
E sua carinha
não escondia o que estava acontecendo: ficou um pouco pálido e um tanto
pensativo; caso deixassem de lado a maciez de sua pele e o perfil redondinho,
poder-se-ia dizer que se tratava do rosto de um adulto mergulhado sabe-se lá em
quais pensamento profundos.
-- Você está bem?
– perguntava-lhe o pai.
-- Sim –
respondia Lucas, ou às vezes não respondia nada.
Então, certo
dia, ele ouviu a voz da mãe no telefone. Era ela. Era a voz dela. Se fosse um
cachorrinho, Lucas, com o fone nas mãos, teria começado a abanar o rabo rapidamente
de tanta felicidade. E teria erguido ao céu seus “latidos” alegres.
Mas o
menininho estava ali com o fone na mão como se estivesse encantado: arregalava
somente os olhos, dois grandes olhos perdidos na felicidade, e não dizia nada.
-- Filhote?
Você está me escutando? Sou eu, a mamãe – dizia a voz. Lucas colocava o fone à
orelha, como se quisesse apertá-lo e não deixá-lo mais.
-- Lucas, meu
filhote... – dizia a voz.
-- Fale com a
mamãe! – insistia o pai, também ele meio atrapalhado diante da confusão do
filho. – Fale “oi” para ela!
Lucas disse “oi”
com a mãozinha enquanto olhava cada vez mais encantado o fone.
Então o pai
retomou a comunicação com a mulher, garantindo que o menino a havia escutado.
Nesse dia, o
prato ficou vazio num instante.
No outro dia,
de manhã, exatamente quando estava saindo para ir ao escritório, o pai viu uma
coisa impensável: Lucas havia trepado em uma cadeira, conseguira tirar o fone
do gancho que ficava na sala e estava dando uma lambidinha nele.
-- O que você
está fazendo? – perguntou admirado o pai – Por que você não está na cama com a
titia?
Em instantes,
Lucas, em seu pijama, desapareceu, correu para sua caminha, ao lado da cama da
titia, que ainda estava dormindo.
Durante todo
o dia, o pai ficou pensando naquela coisa estranha e não conseguiu entender.
No dia
seguinte, nova lambidinha no telefone. Enquanto isso, o rostinho de Lucas
retomava a coloração normal e o ar pensativo havia desaparecido quase por
completo. Se o pai conseguisse, ainda que por um momento, saber o que se
passava na cabecinha de Lucas, teria percebido que as mamães podem virar aparelho
de telefone.
Melhor uma
mamãe-telefone do que nenhuma mamãe.
Tanto assim
que quando, certo dia, a mamãe apareceu inteira, de pé, na porta de casa,
radiante e com os braços estendidos para o seu Lucas, antes de correr-lhe ao
encontro, o menino deu uma olhada para o telefone, como que dizendo: "Mas você não tinha virado telefone?”
Foi só um
instante, depois o pequeno Lucas não teve mais dúvidas e dirigiu-se ao encontro
dela, balbuciando palavras incompreensíveis, brotadas de sua felicidade.
As brincadeiras
da mamãe.
Quando
voltam, porém, são mais bonitas do que antes.
ZATTONI,
Mariateresa; GILLINI, Gilberto. Tradução de Euclides Martins Balancin. Sofrimento na infância: como acompanhar
a criança nas perdas e dores normais de sua vida. São Paulo, Paulinas, 2004. p.23-6
(Psicologia e Educação)
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